de formato paralelepipédico, composta por um compartimento superior com tampa articulada e uma gaveta frontal inferior compartimentada. Produzida no Reino do Pegu, situado na região do atual Myanmar (antiga Birmânia), para o mercado europeu no final do século XVI, é provavelmente executada em madeira de angelim (Artocarpus sp.). Todos os campos exteriores, à exceção do fundo, estão decorados em talha baixa com um padrão espiralado de flores e folhagens de lótus estilizadas, revestidos com laca negra e avivados a folha de ouro. As faixas planas que os enquadram e o verso da tampa não são entalhados, apresentando antes frisos e motivos pintados a ouro sobre o fundo lacado, em continuidade com o esquema ornamental geral. O interior da caixa, revestido por laca vermelha de tom cinábrio, organiza-se num compartimento superior com uma única divisão e numa gaveta inferior composta por dois espaços – o maior destinado ao papel e o menor subdividido em três pequenos compartimentos, certamente concebidos para guardar instrumentos de escrita, como pena, tinteiro e areeiro. As ferragens, em ferro forjado, seguem a tipologia característica do mobiliário europeu do século XVI: a fechadura apresenta espelho e ferrolho, sendo o primeiro em forma de escudo heráldico, recortado na parte superior; o puxador da gaveta, em “tesoura”, e as asas das ilhargas, de dupla ansa, completam o conjunto. Duas dobradiças de ferro substituem os três gonzos primitivos em que girava a tampa, de que ainda subsistem vestígios. A tampa conserva cinco tachas salientes, dispostas de forma regular sobre a posição dos gonzos e da fechadura, disfarçando o sistema de fixação e, ao mesmo tempo, protegendo a superfície lacada do contacto direto com outros objetos que pudessem ser colocados sobre ela.
Na tradição artística do Sudeste Asiático, o motivo do lótus possui um profundo valor simbólico. Representa a pureza e o renascimento espiritual, mas também a lealdade, a fertilidade e a verdade. Na arte birmanesa, a flor assume igualmente o papel de emblema da harmonia cósmica e da sabedoria de Buda. O seu tratamento naturalista nesta peça, com hastes e pétalas entrelaçadas em movimento contínuo, traduz uma leitura estética depurada dessa simbologia, evocando simultaneamente equilíbrio, serenidade e perfeição.
A laca empregue, designada thitsi, é obtida da seiva da Melanorrhoea usitata, uma espécie comum na região da Birmânia. A utilização desta resina, associada à técnica decorativa conhecida como shwei-zawa (birmanês: ေရွှေဇဝါ) – literalmente “trabalho dourado” –, permite identificar a peça como uma produção do antigo Reino do Pegu. Este método de ornamentação com folha de ouro baseia-se na aplicação de sucessivas camadas de thitsi, cuidadosamente polidas, sobre as quais se executa o douramento dos relevos ou motivos pintados, produzindo um contraste subtil entre o fundo escuro e o brilho metálico.
PEDRO PASCOAL DE MELO (outubro, 2025)
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