ARCA

Arca [ES]
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Truhe [DE]
箱 [JP]
Mobiliário
Açores, Portugal
- Produtor

Descrição:
Arca em madeira de cedro-do-mato, com decoração incisa. Móvel de conter. Produção açoriana, dos séculos XVI/XVII.

Arca de formato paralelepipédico, composto por uma caixa-recetáculo encerrada por tampa plana articulada, com decoração incisa, produzida no arquipélago dos Açores e datável dos século XVI/XVII. Executado em cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), madeira endémica dos Açores. A caixa apresenta malhetes laterais visíveis e o interior é composto por um único compartimento, com um escaninho lateral que já não possui a tampa original, a qual também servia como anteparo para a tampa principal quando aberta. Esta, justaposta à estrutura e com batentes salientes nos topos menores – que impedem movimentos deslizantes – articula-se à caixa por meio de dobradiças em ferro forjado, as quais substituíram os engonços originais (cuja presença é testemunhada pelas marcas deixadas na madeira). A decoração incisa, com sulcos preenchidos por massa negra (possivelmente cera escurecida com noz de galha), distribui-se na frente, organizada em painéis de composição poligonal. Nos três painéis centrais surgem estruturas arquitetónicas inseridas em arcos, sobre um fundo axadrezado; no painel central destaca-se um ramo de papoilas, enquanto nos laterais figuram um galgo e um dragão. Elementos fitomórficos diversos adornam toda a composição. Apresenta fechadura, com chave, adicionada em momento posterior.

A produção de mobiliário em cedro-do-mato no arquipélago dos Açores teve um desenvolvimento significativo nos séculos XVI e XVII, destacando-se pela sua fineza técnica e formal, que se insere de maneira singular na tradição luso-atlântica. Entre as peças preservadas, encontram-se arcas, contadores, escritórios, armários, mesas e pequenos móveis de estrado, designados como “escabelos”. Muitas destas tipologias apresentam decoração com motivos incisos ou embutidos, revelando o apuro artístico dos artífices locais. Este mobiliário evidencia não apenas o domínio técnico dos marceneiros açorianos, mas também a função social e estética dos móveis nas residências insulares, atuando como marcadores de estatuto, guardiães de bens preciosos e expressões do gosto e das práticas quotidianas de diversos sectores da sociedade açoriana. A arca com tampa, uma das formas mais antigas de mobiliário, era utilizada para guardar objetos pessoais, como roupas, loiças e até bens valiosos, como pratas e joias. Quando feitas em cedro-do-mato, eram especialmente procuradas para armazenar têxteis, devido às suas propriedades preservadoras, como resistência à umidade, proteção contra insetos e uma fragrância natural que ajudava a conservar os tecidos. Pela sua mobilidade, era a opção preferida para o transporte de pertences de um local para outro. Até meados do século XVII, a arca predominava como principal peça de armazenamento, sendo gradualmente substituída por móveis mais sofisticados e funcionais, como armários e cómodas.

Quanto à decoração, e como hipótese de trabalho, pode-se sugerir que os símbolos da papoila, do galgo e do dragão estão interligados na representação de temas centrais da época, como a efemeridade da vida, a lealdade e a força. A papoila, associada ao sangue derramado pela sua cor vermelha, evocava a transitoriedade da vida, o sofrimento e a morte. Sua fragilidade e breve duração simbolizavam a inevitabilidade da morte e a efemeridade da existência humana, enquanto o vermelho estava ligado ao sacrifício e à dor. O galgo, símbolo de lealdade e fidelidade, representava a busca constante pela virtude e honra, refletindo persistência e devoção, essenciais frente às adversidades. Já o dragão, representando força, poder e resistência, simbolizava a luta contra os obstáculos e o mal, mas também a coragem e sabedoria adquiridas na adversidade. Juntos, esses símbolos exploram a relação entre a fragilidade da vida humana, a lealdade, a busca pela virtude e a resistência necessária para enfrentar os desafios da existência.
PEDRO PASCOAL DE MELO (abril, 2025)

Bibliografia consultada:
  • DIAS, Pedro. “O Fabrico de Mobiliário na Ilha Terceira, no século XVI”, in Manuelino: A descoberta da Arte do tempo de D. Manuel I. Lisboa: Museu sem Fronteiras, 2002, DIAS, Pedro. “O mobiliário”, in Açores [col. Arte de Portugal no Mundo; 3]. [Lisboa]: Público, 2008, pp. 133-141.
  • FELGUEIRAS, José J. G. Jordão. “A propósito de uma curiosa arca”, in Revista Arte e Leilões, n.º 16 (Lisboa; outubro, 1996), pp. 57-60.
  • FELGUEIRAS, José J. G. Jordão. “O desconhecido Mobiliário Açoreano do Século de Ouro. A propósito do despropósito contador de Argote”, in Revista Museu, IV série, nº 11 (Porto; 2002), pp.77-99.
  • FERRÃO, Bernardo. Mobiliário português: Dos Primórdios ao Renascimento, vol. IV. Porto: Lello & Irmão, 1990.
  • FRUTUOSO, Gaspar. Saudades da Terra, 6 vols. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2011.
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  • MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira. “Mobiliário açoriano da época do cedro nos ambientes açorianos”, in F. E. O. Martins, Ambientes Açorianos: Da época dos descobrimentos à das viagens e da emigração. Ponta Delgada: Signo, 1992, p. 189.
  • SILVESTRE, Hélder Alexandre Carita. “O Mobiliário Açoriano: entre os séculos XVII e XIX”, in V. Serrão, J. V. Caldas, & D. Sardo (eds.), História da Arte nos Açores (c.1427-2000). [Angra do Heroísmo]: Direção Regional da Cultura, 2018, pp. 527-541.

Dimensões:
Totais : A. 55 x C. 134,5 x L. 55,5 cm
Nº de Inventário:
PGRA-PC0071
Data de produção:
Séc. XVI/XVII
Material e técnicas
Estrutura: cedro-do-mato (Juniperus brevifolia) | Ferragens e fecharia: ferro - Estrutura: ensamblada; incisa | Ferragens e fecharia: forjadas; recortadas

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