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CONTADOR

Escritorio [ES]
Cabinet [EN/FR]
Kabinettschränkchen [DE]
簞笥 [JP]
Mobiliário
Japão
- Produtor

Descrição:
Contador em madeira, com decoração a laca, ouro e prata. Móvel de conter. Produção japonesa, datável de cerca de 1862 (final do período Edo).

Contador paralelepipédico de nove gavetas, em madeira parcialmente revestida com laca colorida (japonês: 色漆, iro-urushi), com decoração a ouro e prata, produzido no Japão por volta de 1862, no final do período Edo (1603-1868). A frente é composta por duas portas articuladas, ladeadas por um conjunto de gavetas: uma maior na parte inferior e duas menores na superior. Munidas de fechadura, estas revelam, quando abertas, um interior composto por seis pequenas gavetas simétricas dispostas em duas colunas. O móvel distingue-se pela sua ornamentação em laca negra, enriquecida com detalhes em ouro e prata, estes últimos obtidos através de uma refinada técnica tradicional, designado maki-e (蒔絵). Esta consiste na aplicação meticulosa de pó de ouro e prata sobre a laca ainda fresca, onde adere com precisão. Neste caso, é ainda combinada com outras técnicas, nomeadamente a hiramaki-e (平蒔絵), que gera relevos delicados, criando um efeito tridimensional que acrescenta profundidade, dinamismo e um notável requinte à composição. A superfície decorada estende-se por toda a peça, incluindo a frente, as laterais e o verso das portas, seguindo uma abordagem estética que privilegia a continuidade visual, em vez da separação por elementos distintos. Entre os motivos decorativos, destacam-se os grous-da-Manchúria, também conhecidos como grous japoneses (鶴, tsuru), facilmente reconhecíveis pela mancha vermelha na coroa. Estas aves esvoaçam sobre uma paisagem estilizada, que representa o monte Fuji e outras montanhas nevadas, além de áreas alagadas, rochas e gramíneas outonais características do Japão. Na tradição nipónica, os grous simbolizam prosperidade e iluminação espiritual, além de representarem longevidade e boa fortuna. São também conhecidos como "pássaros da felicidade", sendo reverenciados como aves sagradas. A peça está equipada com ferragens em latão, algumas gravadas, incluindo puxadores de gaveta, dobradiças, espelhos de fechadura e outros elementos decorativos e estruturais, além de quatro gualdras de transporte. O contador assenta sobre uma base posterior em madeira, executada ao estilo japonês.

Móveis como este pertencem ao grupo das lacas de exportação (輸出漆器, yushutsu shikki), um conjunto de peças de qualidade excecional produzidas no Japão para as elites ocidentais.A laca, uma das artes mais distintivas do país, conquistou os mercados europeus e norte-americanos na segunda metade do século XIX, um período de grandes transformações, quando o Japão abriu suas fronteiras ao Ocidente e fez a transição de uma sociedade feudal – governada por um xogum (将軍, shōgun), líder militar supremo que, embora sob a autoridade simbólica do imperador, detinha o poder real – para um Estado-nação moderno. O fascínio pela estética japonesa intensificou-se no Ocidente, e peças de laca, cerâmica, tecidos e estampas foram amplamente divulgadas em grandes exposições internacionais, como a Exposição Universal de Paris de 1867, onde despertaram grande atenção e admiração. Esse intercâmbio cultural inspirou inúmeros artistas ocidentais, que passaram a incorporar elementos nipónicos nas suas obras, dando origem ao movimento do japonismo – uma influência marcante na pintura, na arquitetura de interiores e nas artes decorativas da época.

Este contador, que fez parte das coleções reais do Palácio da Ajuda, possui um contexto histórico relevante. Terá origem nas ofertas diplomáticas enviadas pelo xogum Tokugawa Iemoshi (1846-1866; xogum de 1858 a 1866) ao rei D. Luís I de Portugal (1838-1889; rei de 1861 a 1889), por ocasião da embaixada japonesa a Lisboa, em outubro de 1862. Essa visita, resultado da crescente abertura do Japão ao Ocidente e do Tratado de Paz, Amizade e Comércio assinado com Portugal dois anos antes, trouxe à corte portuguesa objetos de grande valor artístico e cultural. Em 1864, o rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia mandaram preparar no Palácio da Ajuda uma sala especialmente dedicada à exposição dos presentes japoneses, mais tarde denominada "Salinha Chinesa". O espaço, que refletia o crescente fascínio pelas estéticas orientais, foi decorado com pintura de chinoiserie, um teto orientalista e paredes adornadas com ricas sedas, incluindo peças oferecidas pelo xogun. A sala representava não apenas um interesse cultural, mas também um símbolo de status social entre as elites ocidentais, que viam nas influências culturais distantes, como a chinesa e a japonesa, um imaginário de mistério e refinamento. Numa fotografia do espaço, datada da década de 1870 e da autoria de Henrique Nunes (1820-1882), já é possível ali observar o móvel em questão. Ele também é descrito no Arrolamento do Paço da Ajuda de 1911, realizado após a implantação da República, confirmando sua presença no local durante esse período. Em 1944, por despacho ministerial, o contador foi cedido ao Governo Civil do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, então sediado no Palácio dos Capitães-Generais, na cidade de Angra do Heroísmo. Esse processo fez parte de uma redistribuição mais ampla do património entre diversas entidades e espaços sob a administração da República, com o objetivo de valorizar a sua representatividade institucional.
PEDRO PASCOAL DE MELO (fevereiro, 2025)

Nota: Agradecemos ao Palácio Nacional da Ajuda e, em particular, à conservadora da coleção de mobiliário, Maria José Gaivão de Tavares, pela valiosa colaboração na identificação, contextualização e descrição deste móvel, bem como a cedência de imagens da Sala Chinesa.

Fontes e bibliografia consultada:
  • FEVEREIRO, António Cota. "As singularidades da Sala Chineza no Palácio da Ajuda: Contextualização histórica e contributos para a sua museografia", in MIDAS - Museus e estudos interdisciplinares, N.º 14 (2022) (Disponível em: As singularidades da Sala Chineza no Palácio da Ajuda. Acesso em: 111 fev. 2025).
  • MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira. Palácio dos Capitães-Generais: Subsídios para a sua História. Angra do Heroísmo: Secretaria Regional da Administração Interna, 1989.
  • PINTO, Ana Fernandes [et al.]. Uma História de Assombro: Portugal-Japão séculos XVI-XX / A Striking History: Portugal-Japan 16th-20th centuries [Católogo de exposição]. Lisboa: Palácio Nacional da Ajuda, 2018.
  • TAVARES, Maria José. “A Diplomatic Gift from Japan and the Creation of the Chinese Room in the Palácio da Ajuda”, in DZIEWULSKI, Michael (ed.), The Ambassadors of Dialogue: The Role of Diplomatic Gifts and Works of Arts and Crafts in Intercultural Exchange. Krakow: National Museum in Krakow, 2016, pp. 165-180.
  • TAVARES, Maria José. “Sedas, Lacas e Armaduras: Os Presentes Diplomáticos do Japão e a Sala Chinesa no Palácio da Ajuda”, in Os Têxteis e a Casa de Bragança. Entre a Utilidade e o Deleite - Séculos XV-XIX. Lisboa: Scribe, 2018, pp. 157-159.

Dimensões:
Totais (contador e base) : A. 89 x L. 64 x P. 42 cm
Nº de Inventário:
PGRA-PCG0858
Data de produção:
circa 1862 (final do período Edo)
Material e técnicas
Madeira, laca, ouro e prata - Ensamblada, lacada, dourada e prateada
Latão - Moldado, recortado e gravado
Incorporação:
Esta peça faz parte de um conjunto de bens que, após a criação da Região Autónoma dos Açores em 1976, foram incorporados ao patrimônio regional, provenientes dos extintos Governos Civis e Juntas Gerais dos Distritos Autónomos de Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada. Desde então, integra as coleções da Presidência do Governo Regional dos Açores, estando atualmente em exibição no Palácio dos Capitães-Generais, em Angra do Heroísmo.

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